A Riqueza do Jardim de Infância: Como o Olhar de Admiração
dos Mais Novos e a Ajuda dos Mais Velhos Fortalecem as
Relações Sociais

Convivência de Idades: A Estratégia que Melhora o Desempenho Social, a
Responsabilidade e a Concentração

Crianças de diferentes idades brincando juntas no Jardim de Infância da EWRS. Foto: EWRS

Nas manhãs do Jardim de Infância da Escola Waldorf Rudolf Steiner, é comum ver uma
criança de seis anos ajudando uma de quatro a amarrar o avental antes da pintura, ou
alguém um pouco mais velho guiando o mais novo pela mão até o pátio. São gestos
simples, mas que revelam algo profundo: a força educativa da convivência entre idades
diferentes.
Reunir crianças de quatro, cinco e seis anos em um mesmo grupo é uma escolha
intencional da Pedagogia Waldorf. Rudolf Steiner compreendia que o aprendizado nasce do
encontro e da imitação viva, e não apenas da instrução direta. Em seus fundamentos, ele
descreve o ambiente do Jardim de Infância como um espaço onde o ritmo, o afeto e a
convivência dão forma ao desenvolvimento da vontade e da confiança, bases da
aprendizagem futura.
As crianças menores aprendem observando as mais velhas. Elas imitam não só ações, mas
atitudes: o cuidado, a paciência, o modo de lidar com o erro. Essa “aprendizagem por
observação ativa”, que Steiner já intuía há um século, é hoje amplamente comprovada pela
ciência. Jean Piaget descreveu esse processo como um modo essencial de construção de
esquemas mentais; Lev Vygotsky o chamou de zona de desenvolvimento proximal,
enfatizando que o aprendizado ocorre na interação com o outro, especialmente com quem
está um pouco mais adiante no caminho.

Crianças de diferentes idades brincando juntas no Jardim de Infância da EWRS. Foto: EWRS

Para as crianças mais velhas, a convivência com as menores oferece outro tipo de
aprendizado. Ao ensinar, cuidar e orientar, elas desenvolvem empatia, linguagem, paciência
e autoconfiança. Pesquisas contemporâneas, como as da psicóloga e filósofa Alison Gopnik
(Universidade da Califórnia, Berkeley), mostram que quando uma criança explica algo a
outra, ativa circuitos cerebrais relacionados à teoria da mente, a capacidade de
compreender os pensamentos e sentimentos do outro. Essa prática fortalece não apenas a
comunicação, mas a compreensão emocional e social.
Estudos de neurociência também dão suporte a essa experiência. A pesquisadora Adele
Diamond (University of British Columbia) mostrou que atividades cooperativas e socialmente
significativas estimulam as funções executivas: atenção, memória de trabalho e controle
inibitório, mais do que tarefas individuais ou competitivas. Em ambientes mistos, como o
Jardim de Infância Waldorf, o cérebro infantil é desafiado de forma natural a se autorregular,
a esperar, a se adaptar ao ritmo do grupo.
Howard Gardner, criador da teoria das inteligências múltiplas, reforça esse olhar: ambientes
que valorizam a cooperação e a diversidade de papéis ampliam as dimensões interpessoal
e intrapessoal da inteligência. Em outras palavras, crianças que convivem com idades
variadas aprendem a entender melhor a si mesmas e aos outros, uma base essencial para
o desenvolvimento ético e emocional.
Há também um aspecto corporal e rítmico envolvido nessa convivência. Quando um grupo
com diferentes idades canta, brinca e se movimenta junto, forma-se um campo de equilíbrio
e de ritmo coletivo. Esse tipo de vivência ativa o sistema vestibular e fortalece a
coordenação motora e o senso espacial, como apontam estudos da Universidade de
Tübingen (Alemanha), que investigam o impacto do movimento rítmico na organização
neural infantil.
Na prática, o que se vê é uma atmosfera de confiança e pertencimento. As crianças mais
velhas exercitam a liderança e o cuidado; as menores se sentem seguras e inspiradas. Não
há hierarquia, mas reciprocidade. É um ambiente em que o aprendizado se dá pelo exemplo
e pela presença, e não pela comparação.
Em um mundo cada vez mais fragmentado por idades, metas e etapas, a convivência mista
do Jardim de Infância Waldorf resgata algo essencial: a infância como espaço comunitário,
onde aprender é também aprender a viver com o outro.

Alunos e alunas do Jardim de Infância EWRS fazendo juntos a refeição. Foto: EWRS.

Na Escola Waldorf Rudolf Steiner, acreditamos que o desenvolvimento não acontece
apenas dentro da cabeça, mas entre as pessoas. É no olhar que admira e no gesto que
ajuda que a criança descobre o seu lugar no mundo. E talvez seja justamente isso que
define uma educação verdadeiramente humana.
DIAMOND, Adele. Funções executivas e desenvolvimento infantil. In: Psicologia do
desenvolvimento e neurociência cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2014.
GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre:
Artmed, 1994.

GOPNIK, Alison. O bebê filósofo: o que as mentes das crianças nos ensinam sobre a
verdade, o amor e o sentido da vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
IMMORDINO-YANG, Mary Helen; DAMASIO, Antonio. Aprendemos porque sentimos: a
relevância da neurociência afetiva e social para a educação. Revista Mente, Cérebro e
Educação, v. 1, n. 1, p. 3–10, 2007.
PIAGET, Jean. A origem da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
STEINER, Rudolf. A educação da criança segundo a ciência espiritual. São Paulo:
Antroposófica, 2011.
UNIVERSIDADE DE TUBINGA. Movimento rítmico e organização neural na primeira
infância. Tübingen: Departamento de Neuropsicologia do Desenvolvimento, 2019.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.