O Brincar Livre e o Futuro da Inovação: Como a Liberdade de Transformar Gravetos em Tesouros Constrói o Pensamento Criativo e a Força de Vontade

Por que o melhor brinquedo do mundo não tem bateria nem manual de instruções.

Alunos do Jardim EWRS brincando de peteca ao ar livre. Foto: EWRS

Vivemos em uma era em que os brinquedos piscam, falam e reagem sozinhos. São engenhosos, coloridos e cheios de funções. Mas, curiosamente, exigem pouco da criança. Enquanto a tecnologia tenta resolver tudo por ela, algo essencial se perde: o espaço de imaginar, de criar e de transformar. 

Nos últimos anos, neurocientistas e educadores vêm apontando para um caminho oposto: a volta à simplicidade. Brinquedos sem funções pré-definidas, feitos de madeira, tecidos, sementes, pedras e gravetos, têm se mostrado aliados poderosos do desenvolvimento infantil. Eles não distraem: desafiam. 

O que a neurociência diz sobre o simples 

Estudos da neurociência cognitiva, como os de Adele Diamond (University of British Columbia), mostram que o uso de materiais desestruturados ativa regiões do córtex pré-frontal , área do cérebro ligada ao planejamento, à criatividade e ao controle emocional. Quando uma criança transforma um graveto em cavalo ou pano em capa de super-herói, ela não está apenas brincando: está treinando funções executivas, as mesmas que usará no futuro para resolver problemas complexos, liderar projetos e tomar decisões. 

O brincar com objetos simples, conhecido como “loose parts play”, é um campo de estudo crescente e revela um dado curioso: quanto menos o brinquedo faz, mais o cérebro trabalha. 

Imaginação: o laboratório da empatia e da inovação 

A Psicologia do Desenvolvimento, especialmente nas pesquisas de Lev Vygotsky e Jean Piaget, mostra que a imaginação é o motor do aprendizado. É brincando de faz de conta que a criança começa a entender o outro, a negociar papéis, a exercitar a empatia e a linguagem. 

Quando uma criança inventa regras, cria personagens e lida com o inesperado, está construindo as bases da inteligência social e emocional. É um treino precoce para lidar com a vida real, como um ensaio para o mundo adulto. 

Aluno do Jardim EWRS brincando com uam colher de madeira e com a terra. Foto: EWRS

Brincar é também exercitar à vontade 

Em um brincar sem manual, nada está pronto. Os castelos desmoronam, as pontes caem, as regras mudam. E é justamente aí que nasce a força de vontade. Persistir, tentar de novo, ajustar e negociar,  tudo isso molda o caráter e fortalece a autorregulação emocional. 

A psicologia contemporânea tem chamado essa experiência de “laboratório da resiliência”. A criança aprende a lidar com frustrações pequenas para, no futuro, encarar desafios maiores com serenidade e confiança. 

Simplicidade que prepara para o futuro 

Se, há um século, Rudolf Steiner dizia que a tarefa da educação é formar seres humanos livres e capazes de encontrar propósito por si mesmos, hoje a ciência confirma a atualidade dessa visão. 

Os brinquedos simples não são uma nostalgia de um tempo passado, mas uma aposta no futuro. São instrumentos que estimulam a autonomia, a flexibilidade cognitiva e o pensamento criativo, habilidades que o mundo contemporâneo mais exige. 

Talvez o segredo esteja mesmo em devolver às crianças algo que sempre foi delas: o poder de imaginar, transformar e criar. 

Aluno Jardim EWRS com brinquedo de cavalo de madeira. Foto: EWRS

Referências 

• Diamond, A. (2013). Executive Functions. Annual Review of Psychology, 64, 135–168. 

• Vygotsky, L. S. (1978). Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Harvard University Press. 

• Blair, C. & Razza, R. (2007). Relating Effortful Control, Executive Function, and False Belief Understanding to Academic Achievement in Preschool. Child Development, 78(2), 647–663. 

• Pesquisas sobre “Loose Parts” (Peças Soltas) e Pensamento Divergente.